Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e Ministério da Saúde estabeleceram regras claras sobre quais devem ser as ações dos hospitais logo após o nascimento
Duas normas regem quais devem ser as ações dos hospitais logo após o nascimento de crianças em seu estabelecimento. A Lei Federal 8.069/90, que dispôs sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e a Portaria 248 do Ministério da Saúde, de fevereiro de 2018, definem regras claras sobre as iniciativas tomadas pelo hospital. Embora uma tenha quase 20 anos em vigor e a outra menos de dois anos, ambas são negligenciadas – e, em muitos casos, desconhecidas na maioria dos hospitais do país.
A Lei Federal 8.069/90 estabelece, em seu artigo 10, como obrigatoriedade dos hospitais: “identificar o recém-nascido mediante o registro de sua impressão plantar e digital e da impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas normatizadas pela autoridade administrativa competente”.
A Portaria 248 do Ministério da Saúde afirma que “as Declarações de Nascidos Vivos – DNV deverão ser vinculadas ao registro biométrico do recém-nascido e de sua mãe, na forma de ato conjunto das Secretarias de Vigilância em Saúde e de Atenção à Saúde”. No caso da portaria, as secretarias deveriam, em um prazo de 90 dias, dispor as normas e procedimentos necessários para que a norma fosse cumprida.
O diretor do Hospital do Tricentenário de Olinda (PE), Gil Mendonça Brasileiro, diz que não conhecia as obrigatoriedades de fazer a coleta de impressões de recém-nascidos. “Soube agora dessa lei”, afirmou, referindo-se à lei de 1990. De acordo com ele, muitos dos processos usados são falhos. “Em muitas instituições, era feito de maneira rudimentar, com esponja. O sistema é falho. Qualquer gota d’água mancha e impede a real identificação das crianças”, diz.
O delegado de Polícia Pablo de Carvalho, um dos gestores de um sistema visando a coleta de dados de recém-nascidos, afirma que, embora muitas instituições tenham equipamentos, eles oferecem configurações técnicas insuficientes. “As impressões de recém-nascidos são muito sutis. Há necessidade de um equipamento específico para fazer a coleta dessas informações”, diz.
Na época da promulgação da Portaria do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) defendeu a implantação imediata da portaria. “A certidão de nascimento é um documento importantíssimo e pouco valorizado. Nenhuma pessoa tem duas certidões de nascimento. A mudança é um passo muito importante a fim de começarmos a coleta de dados para a Identificação Civil Nacional (ICN) desde o nascimento, ampliando a nossa base de dados”, disse, à época, a então conselheira do CNJ e membro do Comitê Gestor do ICN, Maria Tereza Uille.
“Além disso, ela funciona como prevenção ao desaparecimento de crianças e tráfico de pessoas, uma vez que a informação é disponibilizada eletronicamente para todos os órgãos nacionais”, destaca Maria Tereza. Para Carvalho, a biometria de recém-nascidos é fundamental para coibir crimes. “Ao nascer, já se liga o bebê à mãe, à movimentação de visitantes. Isso inibe que uma criança seja desviada e facilita a investigação policial, caso aconteça”, diz.
Este seria o primeiro passo para a ICN, instituída pela Lei Federal 13.444/2017, que visa a criação de um documento único – válido para todo o território nacional –, unificando dados biométricos e civis da população. Nesse Documento Nacional de Identidade, o cidadão poderia agregar diversas informações: CPF, Título de Eleitor e Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Segundo Carvalho, é importante “fechar” a biometria do cidadão do seu nascimento até a sua morte. “Dessa forma, o estado é capaz de controlar e auxiliar tanto na parte civil e de cidadania, assim como na criminal, facilitando as investigações e identificações em locais de crime”, diz.
Duas das possíveis consequências do não cumprimento dos hospitais são possível roubo ou desaparecimento de crianças e as trocas que acontecem em maternidades. Você sabia que, por ano, mais de 1,2 milhão de crianças desaparecem no globo? São vítimas de tráfico de pessoas, de órgãos e de adoções ilegais. No Brasil, estima-se que seja registrado mais de uma troca de crianças em hospitais por dia.